terça-feira, 18 de setembro de 2012

Remetente: Sem.




São Paulo 16, de setembro de 2012

Nunca tive muitas crianças no meu quintal, na minha infância geralmente tinha sempre eu e outro garoto: Leandrinho, Zeik ou Gilmar.
Sem grandes tecnologias, brincávamos de fazer comidinha com barro, descer o "barranco" sentados em garrafas pets, as balanças eram feitas de pneu na frente da porta, escorregadores de madeirite  e os remendos eram a nossa moda, não tinha short que suportasse essa maratona, suspeito que éramos agraciados, lembro-me que havia tomate cereja e maria pretinha plantadas, durante as brincadeiras  se a fome apertasse comíamos tudo,  sem lavar mesmo, a fome não brincava com a gente.
Ontem eu conheci outro quintal sem verde, sem barro, mas com muitas flores, na Ocupação Mauá as crianças florescem, sem serem regadas.
Meus olhos me traiam, haviam muitos poetas comungando a palavra, mas eu queria era ver, eu só sabia contemplar.  Vi pés descalços equilibrando sonhos, pequenos malabaristas do futuro, a vida não é fácil, mas sorrir até pareceu ser.
Um Victor me ensinou que cócegas adormece a indiferença, e que por maior que a bicicleta seja se quisermos, podemos conduzi-la.
Eu toquei na bola, ameacei um futebol e todos os gestos dos ali presentes me atingiram em cheio a alma, até pensei que se eu sou uma casa meu quintal seria meu coração, ontem ele se fez repleto de esperança.
A arquitetura me encantou, a sinceridade também. A poesia tem me levado a lugares jamais imaginados como ouvidos mudos, sendo assim eu vi olhos falando.
E nesse período de desocupação, fiquei triste por saber que aquele quintal, que ingenuamente alimenta possibilidades, pode não vir mais a existir. Doeu mesmo, e se fosse o meu?
O que eu seria hoje se desocupassem a minha infância? Como eu viveria sem o Leandrinho, Zeik e Gilmar? E se meus shorts permanecessem intactos? E se meus sonhos fossem demolidos?
E se todas essas ocupações virassem moradias descentes? E se a constituição entrasse em vigor? E se houvesse lazer, educação e cultura para o Victor? E se nós soubéssemos votar?
E se nós reivindicássemos nossos direitos? E se os eleitos realizassem suas promessas? E se... E se... E se...
E se eu não tivesse me encontrado com a palavra e nunca alguém tivesse me nomeado poetisa? Passaria ilesa a tudo isso? Não criaria empatia pelo outro e provavelmente esse texto não existiria. Eu poderia estar inserida na massa dos iludidos, que elegem palhaços e/ou bundas e eu seria (talvez) mais feliz!

3 comentários:

  1. Assim fica difícil garota! A leitura veio como uma pedra grande a rolar pelo morro, e emplacou meu coração...
    Bjs Lu'z

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  2. Lùz consegue atingir bem ao alvo.das nossa emoções..por vezes adormecidas.bjinss carinhosos a ti.

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  3. Meninas é importante termos coragem pra caminhar, mas é necessário encontrarmos motivos!!!

    Obrigada pelo carinho :)

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