hoje eu resolvi abrir o peito
e enxergar o quanto que cabe aqui dentro
foram mais de 20 anos tentado me esconder
buscando uma resposta que me fizesse ver
entregando para tantos o que só cabe a mim
um coração sofrido que pra toda dor consente um sim
e ao findar de cada experiência
sente mais os hematomas do que a própria consciência
preta blindada dos pés a cabeça
fria por necessidade, não por natureza
busco nutri meu ori pra achar uma fortaleza
e ainda que fraca que haja luz e aqueça
minha pele negra também busca um lugar ao sol
quero meu espaço mas vocês me cedem um anzol
dizendo que agora tenho uma vara pra pescar
mas não é igual a sua, né? É fácil notar
por séculos convivemos com a escravidão
fomos soltos sem direito a um pedaço de chão
o reflexo do mal feito é visto hoje nas quebradas
gente preta é a maior parte da classe favelada
os livros que eu li eram da filha da patroa
porque ela dizia que depois de um tempo isso enjoa
e até hoje por eles eu tenho obstinação
os livros na minha casa são mais que objeto de decoração
por anos me afastei das línguas do colonizador
achava que estuda-las me tornaria talvez mais inferior
ignorância minha, achar que o venceria sem ler meu manual de instrução
mas hoje eu estudo seus dialetos e renovo minha munição
cade vez que eu abro a boca eu ouço o ruído dos chicotes
a impecabilidade da nossa língua foi adquirida nos açoites
pra me fortificar ouço palavras em yoruba
busco saber sobre orixás e patuás
ninguém esconde mais de mim minha própria história
e pode chamar mesmo me de vitimismo meu plano de vitória
já tou ligando a diáspora daqui com a diáspora de lá
e logo menos vocês irão avistar
uma legião vestida de preto que não abaixa a cabeça
não se contenta com lei áurea, quer mais é ser realeza
vai devolver com diplomas cada soco e esporro
aqui ninguém mais marca toca e precisar asfixiamos com gorro
não alisarei meu cabelo para ser aceita
hoje sei que nossa religião não é seita
todos esses mal tratos é uma dívida sem reparação
por isso eu quero cotas e tudo que houver cifrão
sou afilhada bastarda e não quero ser filha da pátria
sou a própria puta por tantas vezes sexualizada
minhas ancestrais tiveram as saias levantas
e daí que surge tanta gente miscigenada
por isso não vejo beleza no processo de miscigenação
e nem quando os brancos exclamam: eu tenho sangue de negão
essas frases não provam nada e só trazem mais dor
então faz um chá de bom senso e tome um gole por favor
não sou filha de pardal, muito menos de mula
não tenho didática minha ira não cabe em bula
e se pode não ser menos preconceituoso, disfarce
pegue suas falsas verdade e engula
muito bom, ver seus pensamentos muito mais divulgado dentro dessa sociedade marxista e racistas muito feliz em ter conhecido seu trabalho
ResponderExcluirConheci seu trabalho no manos e minas e me apaixonei. Essa poesia "dos dias de cólera" é forte demais. Me orgulho em ser negro e representado por poetas como você Luz Ribeiro.
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